A ordem do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, para que a Polícia Penal do Distrito Federal realize monitoramento ininterrupto do ex-presidente Jair Bolsonaro acendeu um alerta sobre limites e proporcionalidade de medidas cautelares. Segundo a Gazeta do Povo, a decisão prevê vigilância ostensiva e discreta na residência do ex-presidente, em tempo integral, sem autorização para atos intrusivos na vida privada, mas com acompanhamento contínuo.
A reação foi imediata. Michelle Bolsonaro classificou nas redes sociais a rotina como um teste de resistência diante do que chama de perseguição, incertezas e humilhações. Jair Renan Bolsonaro, vereador em Santa Catarina, comparou o monitoramento ao aplicado a criminosos de alta periculosidade e o chamou de desproporcional. Para ele, exigir vigilância permanente a um homem de 70 anos com histórico de problemas de saúde extrapola o razoável.
Do ponto de vista jurídico, críticos apontam três problemas centrais. Primeiro, o princípio da proporcionalidade. Medidas cautelares devem ser necessárias, adequadas e menos gravosas que a prisão. A vigilância presencial e permanente, ainda que fora do domicílio, aproxima-se de um regime de custódia informal e amplia o risco de constrangimento indevido. Segundo, a presunção de inocência. O monitoramento integral tende a sinalizar culpabilidade antecipada, especialmente às vésperas do julgamento sobre a suposta tentativa de golpe, marcado para 2 de setembro na Primeira Turma do STF. Terceiro, a previsibilidade dos meios. A Polícia Federal sustentou que a tornozeleira poderia falhar em caso de queda de conexão e defendeu a presença de agentes para garantir eficácia. Para críticos, a solução eleita não pode converter uma cautelar em vigilância domiciliar perpétua sob o argumento da eficiência tecnológica.
A decisão de Moraes foi amparada por manifestação da Procuradoria-Geral da República e citou risco de evasão, inclusive a posse de documento que poderia facilitar uma saída do país após o início das cautelares. A medida atendeu a um ofício do deputado federal Lindbergh Farias (PT-RJ), que alegou possível plano de fuga, alegação feita sem a apresentação de evidências públicas verificáveis.
A defesa de Bolsonaro, por meio do advogado Paulo Cunha Bueno, afirmou que o pedido transmite a impressão de constrangimento desnecessário e sustenta que outras medidas menos invasivas poderiam resguardar os fins cautelares.
Familiares e apoiadores argumentam que a medida cria um precedente perigoso. Se normalizada, a vigilância contínua sem condenação pode se expandir a outros investigados de alta visibilidade, convertendo cautelares em punições antecipadas e corroendo a confiança nas garantias processuais. O debate opõe o dever estatal de assegurar a aplicação da lei à necessidade de evitar respostas maximalistas que restrinjam direitos fundamentais além do indispensável.
Até o momento, não há notícia de revogação ou modulação da ordem. A defesa promete contestar os termos do monitoramento, enquanto o caso avança para julgamento. A controvérsia expõe um ponto sensível do Estado de Direito: proteger a efetividade do processo sem transformar a exceção em regra nem a cautelar em pena disfarçada.